Antes do Fim

Em um estilo de quadrinhos que combina tons de amarelo vibrante e azul turquesa, nossa história começa com uma cidade sob um imenso sol circular. Pequenos prédios se alinham sob esta luz intensa, criando sombras alongadas. Os passos de alguém ecoam – “tof, tof” – enquanto caminha observando esta paisagem urbana. De frente à vitrines, uma silhueta de uma ema com um projetor de cinema nas costas surge. Um rosto peculiar nos observa com olhos grandes e expressivos, como se fosse uma testemunha silenciosa dos acontecimentos.

Na tela de uma antiga televisão, surge uma notícia inquietante: “Após 15 anos de discussão, cientistas negam, em votação, que o mundo esteja atravessando uma nova era geológica, o Antropoceno – marcado pelo homem como um agente geológico.” Logo em seguida, a mesma tela revela: “Entretanto, os cientistas reconhecem que a civilização tem deixado vestígios inconfundíveis no planeta, impactando sua dinâmica e equilíbrio.”

Numa espécie de flashback, a ave observadora revive sua história: “Lembro de quando Gaia me despertou com um sopro de ar fresco, impulsionando o voo dos pássaros, o balançar das folhas e a própria vida que agora corria solta pelo mundo.”

Em meio a esse cenário, surge uma figura etérea e delicada: uma mulher de longos cabelos ondulados decorados com flores, representando Gaia, a Terra. Com traços suaves, Gaia estende a mão com um sopro de vida ao planeta.

A cena se transforma em uma composição poética: gotas de chuva caem enquanto raios dourados de sol as atravessam. A Ema observa a cena com os olhos atentos. “Quando o primeiro feixe de luz atravessou as pequenas gotas d’água, gravei em minha memória o arco-íris…” Um click de câmera fotográfica ecoa, e vemos seu olho registrar o nascimento de um arco-íris. Olhos de câmera, projetor de cinema nas costas e pernas longas para percorrer todos os cantos.

Como em um varal de memórias, fotografias começam a se alinhar, presas por pequenos prendedores azuis. Cada imagem conta uma parte da história da Terra: pedras antigas, folhas dançantes, árvores majestosas, animais em movimento, pessoas em suas jornadas, e marés que vão e vem. Nossa personagem nos lembra que no início “Gaia guiava a orquestra da vida, todos juntos numa única sinfonia.”

Em três quadros nostálgicos, vemos o despertar da humanidade: uma figura primitiva se aquece junto ao fogo sob um céu estrelado – “o domínio do fogo”. Ao lado, um pequeno ser humano encontra um grande elefante – “os instrumentos de caça”. Por fim, uma pessoa se curva sobre a terra sob o sol forte – “o desenvolvimento da agricultura”.

A história avança para um cenário medieval, onde uma figura majestosa usando uma coroa brilhante se ergue contra um fundo de castelos e casas simples. O contraste entre a realeza e as moradias humildes ilustra uma nova mensagem: “Da necessidade de sobrevivência, a humanidade criou um novo sentido para a vida.” Em letras flutuantes, aparecem as transformações: “Trabalho, artes, organização social, religião, estruturas de poder, status quo… onde é que de fato começamos a influenciar no planeta?”

Na tela azulada de uma televisão antiga, surge o rosto gentil de um homem de óculos e barba branca, identificado como Eduardo Viveiros de Castro, antropólogo. Suas palavras ecoam com sabedoria: “Saberes tradicionais, como os produzidos e disseminados por povos indígenas ou por camponeses, são exemplos de sensibilidade e de como viver em paz com o mundo neste século.”

Pequenos quadros mostram o progresso e suas consequências, enquanto o som “Bzz” se repete, como um zumbido inquietante de máquinas. Uma garrafa  plástica na água, uma geleira derretendo, um siri se esconde num copo plástico, pilhas de roupas numa montanha de lixo. Uma reflexão surge: “Não sei ao certo quando facilitamos nossa existência e quando passamos a nos destruir. Talvez essa seja a dúvida dos cientistas.”

Em uma explosão de cores e movimento, vemos Gaia transformada: agora ela é uma figura poderosa e perturbada, seus longos cabelos se misturando com ondas turbulentas que envolvem prédios modernos. Suas correntes parecem tanto aprisioná-la quanto fazer parte dela, enquanto a mensagem sombria aparece: “O equilíbrio foi quebrado. Gaia passou a reagir às agressões dos humanos. Sem saber ao certo quem a atacava, os mais vulneráveis passaram a enfrentar sua ira.”

Na cena final, um imponente relógio azul se ergue contra um céu amarelo, ladeado por árvores secas e retorcidas que parecem dançar uma dança mórbida. O som “tic-tac” ecoa pela página enquanto lemos: “Diante dos alertas, cientistas criaram o relógio do juízo final. Às 12 badaladas, é o fim da humanidade.” Um aviso urgente paira no ar: “Faltam apenas 90 segundos para a meia noite. Um minuto e meio nos separa do fim.”

Mas a história não termina em desespero. Como em uma quebra da quarta parede, o narrador reflete: “Em um filme, este seria o clímax, em que algum herói ou heroína surgiria para salvar o planeta.” Mas, “Salvar de quem?” E então, aquele mesmo rosto expressivo que nos observava no início retorna, com os olhos vidrados no leitor e um questionamento: “Se o badalar do relógio nos dá medo, por que não trabalhar para ter esperança? Vamos mudar este filme?”

Ilustrações

Giulliano Kenzo é formado em Design Gráfico pela Ufes e trabalha há 8 anos no mercado de design e ilustração atuando como gerente de projetos na Locomotipo. Seus principais trabalhos e pesquisas na Ufes entraram em consonância com seus principais hobbies: quadrinhos e jogos. É apaixonado por se aventurar pelo mundo e está sempre inventando personagens. Atualmente dedica seu tempo livre ao desenvolvimento do jogo Peleja Brava.

Roteiro

Ricardo Aiolfi é jornalista e mestre em Comunicação e Territorialidades pela UFES. Com um olhar curioso para games, futilidades do cotidiano e tecnologia, ele equilibra seu dia entre o trabalho, saídas com amigos e memes no YouTube. Acredita que é possível apresentar conhecimentos complexos utilizando uma linguagem simples e acessível. Ama viajar e não gosta de flores.

Sumário
close slider

Sumário
Revista Cine.Ema 5

01. Editorial: Estou de volta!

02. Amazônia: um vasto jardim milenar

03. Reconectar-se com a floresta

04. Click Brabo! Dicas de fotografia

05. Neurônios à la carte: a escolha dos alimentos molda seu cérebro

06. Biomimetismo: a natureza que transforma

07. Nem só de árvore vive o cinema ambiental

08. Os voos da Ema

09. Um click para o futuro

10. Missão impossível: cenas de uma câmera analógica

11. Quadrinhos: Antes do Fim

12. O futuro é agora!

13. Crônica: Luz, Câmera e... Reconexão!

14. A gente se vê no Cinema

15. Que monte de lei é essa?

16. Reciclagem começa dentro de casa

17. Você sabe como fazer uma animação?

18. Juntei meu lixo, e agora?

19. Dá para viver sem plástico?

20. Dicas para reduzir o plástico

21. Arte: Seja Raiz, Seja Caule, Seja Folha, Teça o Futuro, Reconecte-se!

22. A Fantástica Carpintaria